Muroni com Açúcar

Aula de Espanhol

Posted on: 28 abril, 2008

              Não esperava grandes coisas daquelas aulas de espanhol – para não dizer que não esperava nada. A verdade é que fora meio que obrigado a fazê-las, tendo em vista que, se não as fizesse, teria de freqüentar as aulas de estatística  já no primeiro semestre, coisa que, enquanto pudesse, protelaria.

            Mercosul. La cucaracha. Hasta la vista, baby. Não poderia ser tão difícil aprender aquele idiomazinho enrolado que tanto se parecia com o português; era só enxertar um íon no final das palavras e pronto: visitação virava visitación, informação – información. Encanación, falación. E até uma difícil: edificación. Ou explanación.

            Entrou na sala aquela manhã com o esmero e a força de vontade com as quais costumava encarar um banho. Camiseta desbotada com as mangas arrancadas, os longos e lisos cabelos longos emplastados de suor e uma barba longa e pingada de fios galegos; sentou-se no fundo, encostado à janela para tentar suportar melhor a chatice que, com certeza, estava por vir.

            – Buenos días. – ouviu lááá longe, não se dignando a levantar os olhos.- Nosotros empezaremos acá la classe de español. Yo me llamo Angélica. Es um gusto conocerlos.

            “Anrrélica”. Aquele erre no meio do nome havia soado…

            Era bonita, “Anrrélica”. Muito, muito bonita mesmo. Resolveu prestar atenção:

            – Poco a poco iré sabiendo sus nombres y apellidos. Usted – disse apontando para a primeira aluna da fileira contrária – ¿cuál es tu nombre?

            E assim foi ouvindo, um a um, o nome de todos os alunos daquela aula que, de rala sopa com gosto de canto, terminou por se tornar manhã de sol por entre as árvores, cheiro de orvalho e luz de dezembro. Estava já fazendo poesia e ainda faltavam fileira e meia para a sua vez. Estava amando!

            – ¿Cuál es tu nombre?

            – Meu nome?

            – Si, pero en español.

            – Io me…

            – Yo.

Que bico lindo tinha Anrrélica!

            – Jo.

            – No, jo no, yo.

Deus, que boca era aquela…

            – Todos, por favor, atención, yo.

            Já havia quase que um princípio de tumulto na sala, mas ele não se importava. O que valia mesmo era ficar ali, vendo Anrrélica fazer biquinho e imaginando aquela boca fazendo mais do que dizer yo…

            – Cierto. – havia desistido – Y, ¿cuál es tu apellido?

            – Si, mi apellido é Alemão.

            A classe toda caiu no riso e ele, sem entender o que havia de tão engraçado, logo adivinhou que tinha dito alguma merda.

E bem no primeiro encontro…

 

            As aulas foram passando e Don Juan cada vez mais se quedava apassionado.

            – A mí me apetece…

            Alguém deve ter feito alguma música pra ela. Se não fez, deveria fazer.

            – Los pronombres interrogativos deben ir acentuados y entre signos…

            Tinha uns seios, Anrrélica…

            – … es El único tiempo verbal que posee dos formas de desinencia.

            Incrível como aquela cor de cabelo lhe caía bem…

           

            Já estavam, a esta altura, no meio do semestre e ela daria sua primeira prova.

            Ele, enternecido de amor, não conseguia se concentrar e estudar, nem em casa e muito menos durante a aula, com aquela señorita tão guapa a lhe dizer que uma mulher embarazada ia ter bebê dali a alguns meses ou lhe chamando borracho quando, vez ou outra chegava à aula de óculos escuros pra esconder a bebedeira.

            Angélica também, vamos e venhamos, é certo que se diga, não era a melhor professora do mundo, não querendo falar mal, mas ela nem iria prestar atenção se, porventura, houvesse algum erro em sua prova porque mais de uma vez reparou que ela havia colocado uns sinais de ponta cabeça, e tal. Devia ser disléxica, a coitadinha. Mas também, com um par de pernas daquelas, podia ser até completamente burra, quanto melhor, assim não se sentiria meio inferiorizado com aquela situação de ela ser a professora e ele o aluno.

            Chegou para fazer o teste e, depois de colocar no fim de quase todas a palavras um íon e dobrar alguns “l’s”, decidiu-se a contar a ela tudo o que sentia.

            E escreveu, na prova, em bom português mesmo, tudo que se passava em seu coración. Tudo o que estava sentindo.

 

            À próxima aula foi ansioso e cheio de planos. Levantou um dinheiro para que pudessem bater um rango antes de virem para seu apartamento, cujos outros moradores estavam mais do que avisados que deveriam se manter longe até de noitinha. Isso, se a chama do amor dos dois não se perpetrasse noite afora.

            Recebeu a prova, suava frio, a barriga gelada, parecia um adolescente. Angélica, como ele havia previsto, escreveu em sua prova mesmo também, tudo o que sentia.

            Também em português, para se fazer clara e não deixar dúvidas, ela lhe deu um fora tão grande que nem necessitava tradução.

            E um zero, na prova.

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com mucho gusto…

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